A administração de doze tipos de medicações antiepilépticas foi analisada em ensaio clínico randomizado com pacientes que têm crises focais ou tônico-clônicas generalizadas; médicas especialistas no assunto comentam opções de fármacos
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 3 milhões de brasileiros vivem com o diagnóstico da epilepsia, distúrbio neurológico que pode causar convulsões resultantes da perturbação das células nervosas. Na maior parte dos casos, são administradas opções de monoterapias que possibilitam aos pacientes uma rotina mais próxima da normalidade. Essa estratégia clínica de controle da doença foi o alvo de estudo do grupo de pesquisadores da Universidade de Liverpool, na Inglaterra.
Para a revisão, foram analisadas as doze variações usualmente receitadas por neurologistas para pessoas com crises focais e tônico-clônicas generalizadas, que são: carbamazepina, fenitoína, valproato de sódio, fenobarbitona, oxcarbazepina, lamotrigina, gabapentina, topiramato, levetiracetam, zonisamida, acetato de eslicarbazepina e lacosamida.
O objetivo era identificar as melhores opções para a monoterapia, considerando principalmente o recorte britânico para a situação. O National Institute for Health and Care Excellence, órgão de referência local no assunto, recomenda carbamazepina ou a lamotrigina para pacientes com episódios focais e valproato de sódio para indivíduos com diagnóstico de epilepsia tônico-clônica generalizada, sendo ambas as recomendações válidas para o tratamento de adultos e crianças recém diagnosticadas.
No Brasil, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS (CONITEC), reconhece a lamotrigina como a medicação mais eficaz para o uso em pacientes que acabaram que receber a constatação do diagnóstico de epilepsia focal e o ácido valpróico para casos de epilepsia tônico-clônica generalizada, ou seja, está quase integralmente de acordo com as recomendações do órgão britânico.
Abordada para essa reportagem, a Associação Brasileira de Epilepsia, organização independente responsável pela luta por direitos e garantias das pessoas diagnosticadas com a doença no país, reconhece a abordagem recomendada pelo Sistema Único de Saúde e complementa o direcional do órgão público. “De acordo com estudos, a lamotrigina é mais efetiva do que a carbamazepina, gabapentina e topiramato como monoterapia de primeira linha para a epilepsia focal, e o ácido valpróico é mais efetivo do que o topiramato, além de mais eficaz do que a lamotrigina nas epilepsias generalizadas e inclassificáveis. O valproato de sódio apesar de ser fármaco de grande eficácia nas epilepsias generalizadas traz riscos a pacientes do sexo feminino em idade fértil devido ao maior risco de teratogenicidade e de ocorrência de distúrbios do desenvolvimento da prole”, afirma a Dra. Laura Guilhoto, médica neurologista, neurofisiologista e Presidente de Honra da ABE.
Impactos do estudo e reflexões aplicadas na vida prática dos consultórios
Para a realização do ensaio científico foram combinados dados de 14.789 pessoas de 39 dos 89 ensaios e para as 7.251 pessoas excedentes, de 50 estudos, a indisponibilidade dos dados impossibilitou a aplicação na análise, fazendo com que a presença de pessoas que receberam o acetato de eslicarbazepina não tenha sido considerada no levantamento. Partindo disso, avaliaram os resultados em dois tipos de comparação, as diretas entre dois medicamentos específicos e as indiretas, que cruzavam todas as respostas dos ensaios clínicos de forma a garantir que os 11 medicamentos incluídos na análise fossem contemplados.
Os resultados obtidos após as análises mostraram que os medicamentos mais antigos dispostos no mercado farmacêutico, como a fenitoína e a fenobarbitona, demonstram maior efetividade no controle de crises das pessoas com epilepsias focais e generalizadas, embora apresentassem problemáticas com o uso prolongado e a interrupção do tratamento. Já o valproato de sódio foi a melhor opção para o controle das crises tônico-clônicas generalizadas. Para todos os fármacos, foram constatados efeitos colaterais gerais similares, como queixas de distúrbios gastrointestinais, sonolência, fadiga, tontura, desmaio, dores de cabeça, erupções cutâneas e demais problemas percebidos na pele.
Esse levantamento comparativo de monoterapias é de grande importância para a disseminação dos conhecimentos sobre as abordagens farmacológicas para pessoas com epilepsia, principalmente as acometidas por crises generalizadas e inclassificáveis, que têm uma menor fonte bibliográfica como base para o estudo de seus casos clínicos.
Ainda assim, embora essenciais para o avanço na otimização de monoterapias para pacientes epilépticos, as conclusões do estudo não substituem as considerações do médico especialista em consultório e as especificidades do paciente diagnosticado. É o que explica a Dra. Juliana Passos de Almeida, médica neurologista e neurofisiologista especialista em epilepsia, docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) – “Quando o neurologista escolhe determinado tratamento para o seu paciente, ele leva em consideração informações referentes às características individuais do paciente, como sua idade, gênero, custo da medicação, acesso, a presença ou não de outras doenças concomitantes e o uso de outras medicações que podem interagir entre elas. Além disso, outros fatores também podem influenciar, como a vontade ou não de engravidar e em algumas situações a síndrome epiléptica específica do paciente”, conta ao Brain::Science.
A especialista ainda complementa comentando o futuro promissor das terapias para o controle da epilepsia. “No mercado brasileiro, temos mais de 20 opções de tratamento por meio dos medicamentos, o que torna esse tratamento cada vez mais individualizado e ajustado às características de cada paciente. Existem muitos novos medicamentos chegando ao mercado que ainda não foram aprovados no Brasil, mas que ampliam a perspectiva de novos tratamentos medicamentosos. Além disso, existe o tratamento cirúrgico que ainda é pouco utilizado, pois pacientes com indicação cirúrgica demoram muito tempo para chegar ao especialista e ter a sua cirurgia indicada, em algumas situações a cirurgia consegue um resultado de controle de crises muito mais alto do que o controle via medicamentos”, diz Juliana.
O estudo “Antiepileptic drug monotherapy for epilepsy: a network meta‐analysis of individual participant data”, publicado em abril de 2022 e realizado por Sarah J Nevitt, Maria Sudell, Sofia Cividini, Anthony G Marson e Catrin Tudur Smith pode ser consultado, na íntegra e com todos os comparativos entre os fármacos em: https://doi.org/10.1002/14651858.CD011412.pub4