Cerca de 70% dos pacientes submetidos a cirurgias cardiovasculares com uso da circulação extracorpórea podem apresentar complicações neurológicas pós-operatórias

Uma equipe de médicos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neurológica de um Hospital paulista analisou a pertinência do uso de um método não invasivo de monitoramento de variações de volume e pressão intracranianos (PIC) em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca e procedimento de circulação extracorpórea (CEC).

Criada há mais de cinco décadas, a CEC consiste do uso de um equipamento e técnicas que criam uma condição temporária para desempenhar artificialmente as funções do coração e pulmões em cirurgias cardíacas.

Monitoramento não invasivo da PIC se mostrou efetivo para auxiliar na tomada de decisão e otimizar os protocolos adaptados para a neuroproteção em cirurgias cardiovasculares com uso da circulação extracorpórea (Foto: Aquivo)

No estudo, são relatados dois casos de cirurgia cardiovascular com CEC em que os protocolos de neuroproteção na fase pós-operatória foram guiados pelos achados relacionados à morfologia da onda da PIC e seus parâmetros associados, monitorizados por meio de método não invasivo. As monitorizações da PIC foram realizadas após o procedimento cirúrgico, seguindo os protocolos de manejo pós-operatório do hospital.

Caso A

O primeiro paciente analisado é um homem de 40 anos, diagnosticado com a síndrome de Marfan há 9 anos. Ele foi internado com endocardite aórtica e submetido à troca do conduto e reimplante de artéria coronária. Durante o procedimento cirúrgico, o paciente foi mantido em CEC por 182 minutos.

Após o término do procedimento, o paciente foi transferido para a UTI, com sedação e ventilação mecânica mantidas, e drogas vasoativas administradas. No mesmo dia, o paciente teve um episódio único de convulsão tônico-clônica, apresentando midríase bilateral durante este episódio.
Após o episódio de convulsão, foi solicitado o monitoramento não invasivo das variações de volume e pressão intracranianos para avaliar as medidas de neuroproteção utilizadas. No primeiro monitoramento, os valores da relação P2/P1 de 1,29 indicaram uma alteração na complacência intracraniana (P2>P1); o segundo monitoramento da PIC, 24h após a primeira medida, ainda indicava uma alteração da complacência intracraniana, porém com uma visível melhora marginal na relação P2/P1, com valor de 1,21, e na morfologia da onda da PIC; o terceiro monitoramento, realizado
24h após o segundo monitoramento, indicou uma melhora da complacência intracraniana, com uma relação P2/P1 de 0,95 ; o quarto monitoramento, 48 horas após o terceiro, mostrou que o paciente respondeu bem às medidas de neuroproteção adotadas, sem sinais de edema intracraniano, e apresentando uma relação P2/P1 de 0,88.

Desfecho – O paciente foi extubado no quinto dia pós-operatório e não apresentou complicações neurológicas.

Caso B

O segundo paciente analisado também do sexo masculino, 50 anos de idade, com aneurisma da aorta reparado há 2 anos. O paciente foi internado no hospital para correção de uma dissecção aórtica e, durante o procedimento, foi submetido à CEC por 82 minutos. O monitoramento não invasivo de PIC foi solicitado para avaliar a eficácia das medidas de neuroproteção. O paciente foi monitorado três vezes: imediatamente após a cirurgia, 24 e 48 horas após a cirurgia.

No primeiro monitoramento, houve um indicativo de alteração na complacência intracraniana, com a morfologia da onda da PIC apresentando P2>P1, com o valor de 1,09 da relação P2/P1;; no segundo monitoramento, os resultados foram semelhantes, indicando uma alteração da complacência intracraniana, mas com piora da relação P2/P1 (1,52); já no terceiro monitoramento, os resultados da avaliação apresentou uma melhora da complacência intracraniana, dentro da faixa normal, com uma relação P2P1 de 0,75.

Desfecho – O paciente foi extubado no terceiro dia pós-operatório e não apresentou complicações neurológicas.

Achados

Nos dois casos de pacientes submetidos à cirurgia cardiovascular com circulação extracorpórea, a utilização do sistema de monitoramento não invasivo de variações de pressão e volume intracraniano se mostrou efetivo para auxiliar na tomada de decisão e otimizar os protocolos adaptados para a neuroproteção após a cirurgia e durante todo o cuidado na unidade de terapia intensiva.

Tecnologia

O método não invasivo de monitoramento de PIC consiste de um extensômetro fixado em um dispositivo mecânico que toca a superfície do couro cabeludo na região frontoparietal lateral à sutura sagital. O sensor detecta pequenas mudanças nas dimensões do crânio resultantes de alterações de PIC sem nenhum procedimento cirúrgico. Estes movimentos são micrométricos e a tecnologia é capaz de capturar os sinais para fornecer o formato completo de onda da PIC, além de fazer monitoramento contínuo.

A forma de onda da PIC é apresentada em três picos característicos: P1 (a onda de percussão, devido à pressão arterial sendo transmitido do plexo coróide para os ventrículos), P2 (relacionada à complacência do cérebro) e P3 (a onda dicrótica, relacionada ao fechamento da válvula aórtica durante diástole). Em condições normais de PIC, as amplitudes desses três picos são obtidas como P1 > P2 > P3. No entanto, em condições com diminuição da complacência intracraniana e aumento da PIC, a morfologia da forma de onda do pulso muda gradualmente, e certos indicadores, como
a relação P2 / P1, eventualmente aumentam, denotando um quadro de hipertensão
intracraniana.

O artigoThe use of a noninvasive intracranial pressure monitoring method in the
intensive care unit to improve neuroprotection in postoperative cardiac surgery patients
after extracorporeal circulation”
, de autoria de Salomón Soriano Ordinola Rojas, Amanda
Ayako Minemura Ordinola, Viviane Cordeiro Veiga e Januário Manoel de Souza foi
publicado na Revista Brasileira de Terapia Intensiva e está disponível por meio do DOI:
10.5935/0103-507X.20210066
.