Proposta explora conceito da neurociência moderna e usa a multiescala para conectar o que já se sabe sobre o funcionamento do cérebro

É possível dizer que o cérebro humano funciona como uma espécie de labirinto com muitos caminhos possíveis que se conectam para criar diferentes alternativas de saída: isso porque ao estudar as funções do órgão de forma isolada, não se pode concluir com facilidade qual o papel delas dentro do contexto geral, sendo difícil saber se ela é causadora ou causa de outra atividade cerebral.

Pensando nessas características da reflexão sobre a modelagem cerebral, os pesquisadores e neurocientistas europeus Egidio D’Angelo e Viktor Jirsa defendem no artigo “The quest for multiscale brain modeling”, publicado no periódico Trends in Neuroscience, a necessidade de novas abordagens para o estudo da modelagem cerebral, por meio da criação de mecanismos que conectam as descobertas da neurociência ao longo dos anos para alcançar uma visão global do cérebro por meio da multiescala.

Egidio D’Angelo leciona no Departamento de Cérebro e Ciências Comportamentais da Universidade de Pavia e no Centro de Conectividade do Cérebro no Instituto de Recuperação e Cuidados Científicos (IRCCS) na Fundação Mondino, em Pavia, na Itália. (Foto Pere Virgili)

No artigo, reforçam a necessidade dos estudos em microescala, mesoescala e macroescala para a análise de diferentes estruturas cerebrais. No entanto, entendem como essencial a criação de mecanismos “plug-and-play” para conectar esses diferentes padrões de escala e obter uma perspectiva próxima da realidade. “Uma questão fundamental do processamento do funcionamento cerebral é, portanto, correlacionar as medições em larga escala com a atividade de muitas fontes microscópicas. Este problema não trivial pode ser resolvido usando a modelagem cerebral em múltiplas escalas”, afirmam os pesquisadores. 

Eles ainda complementam explicando que esta é uma questão que ultrapassa as barreiras da ciência biológica. “É uma das maiores questões da neurociência hoje, e é filosófica – como você infere de seus dados o que realmente está acontecendo dentro do cérebro? Antigamente, pesquisadores de diferentes áreas viviam separados uns dos outros, seguindo seus próprios rumos, sujeitos a seus próprios preconceitos e restrições”, dissertam.

Viktor Jirsa integra o Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (INSERM), unidade 1106, o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e é docente da Universidade de Aix-Marseille, em Marseille, na França. Imagem: INS UMR 1106

A perspectiva dos autores mostra que essa abordagem deve ser considerada um caminho viável a se seguir para a neurociência do futuro, sendo uma ideia já vista pela comunidade médica como a aposta da próxima década, de forma que profissionais consigam trabalhar de maneira integrada e colaborativa para alcançar o entendimento do cérebro como uma máquina completa, com partes dependentes e interligadas entre si. Para ilustrar a aplicação da conexão entre múltiplas escalas, D’Angelo e Jirsa se aprofundam na necessidade de criar modelos do que chamam de “cérebro virtual” como uma espécie de mapa detalhado da estrutura cerebral constituída por meio de mecanismos tecnológicos que conseguem cruzar as informações, mesmo que em escalas distintas. 

Essa abordagem de leitura do órgão comprova a extrapolação do assunto e como ele atinge outros setores que não a neurociência, impulsionando também discussões filosóficas, o desenvolvimento científico e a aplicação da análise de dados na medicina. “Modelos cerebrais em configuração mista são fundamentais não apenas para entender o funcionamento do cérebro, mas também para promover a tecnologias para a sociedade e a saúde de formas que ainda precisam ser trabalhadas e exploradas em sua totalidade”, encerram. 

O artigode Egídio D’Angelo e Viktor Jirsa intitulada “The quest for multiscale brain modelling” pode ser consultada na íntegra na publicação da Trends in Neuroscience, por meio do DOI: https://doi.org/10.1016/j.tins.2022.06.007