Comprometimentos cognitivos e sintomas neuropsiquiátricos são analisados em pacientes humanos; impactos do vírus nos astrócitos leva à morte ou disfunção neural

Quase três anos após a descoberta do vírus que infectou mais de 36 milhões de brasileiros, cientistas seguem aprofundando o que se sabe sobre os impactos dele nos organismos. Em estudo recente, acadêmicos da Universidade Estadual de Campinas detalharam o modus operandi do SARS-Cov-2 no cérebro e como ele age para ocasionar comprometimentos cognitivos e neuropsiquiátricos, chegando a cinco novos resultados que ajudam a entender com mais clareza os impactos do vírus no sistema nervoso central.

Já é de conhecimento dos especialistas que os sintomas neurológicos estão entre as complicações extrapulmonares mais frequentes, mas ainda pouco se sabe sobre o processo de degeneração das estruturas cerebrais durante e após o quadro de infecção. No estudo, realizado com pacientes vivos que passaram por quadros de infecção leve e outros que morreram em decorrência da doença, comparados a pacientes saudáveis, foram identificados sintomas recorrentes como ansiedade e depressão, fadiga e sonolência diurna excessiva, além das mais significantes descobertas: a redução da espessura cortical e alterações metabólicas energéticas nos astrócitos infectados.


Atrofia da espessura cortical após infecção leve por COVID-19. Morfometria de superfície por ressonância magnética 3T de alta resolução ( A ). Resultados da análise de 81 indivíduos com diagnóstico confirmado de SARS-CoV-2 (que apresentavam sintomas respiratórios leves e não necessitavam de hospitalização ou suporte de oxigênio) em comparação com 81 voluntários saudáveis ​​(sem diagnóstico de COVID-19).
(Imagem do artigo científico)

Na pesquisa, também foram observadas taxas de deficiência na memória verbal episódica imediata, que junto aos sintomas de ansiedade e depressão, fadiga e sonolência diurna excessiva, foram associados ao alto índice de disfunções agudas no olfato e no paladar e à atrofia do córtex orbitofrontal. “As altas proporções de anosmia e disgeusia sustentam a ideia de entrada do vírus no sistema nervoso, mais especificamente na região orbitofrontal, devido à proximidade e comunicação com a cavidade nasal”, enfatizam. 

Entendendo o impacto do vírus nos astrócitos

Uma das principais contribuições do estudo foi o aprofundamento do que se sabe sobre a relação do SARS-Cov-2 e os astrócitos. Foi possível concluir que eles são o meio onde o vírus se replica, afetando por cadeia outras estruturas cerebrais. 

Por meio dos resultados obtidos em autópsias minimamente invasivas, realizadas nas regiões onde foram observadas alterações na espessura cortical, os pesquisadores explicam a incidência do vírus nas células – “Em média, a proteína spike SARS-CoV-2 foi detectada em 37% das células no tecido cerebral. A maioria dessas células com pico positivo para SARS-CoV-2 (65,93%) eram astrócitos. Considerando que apenas 18,52% de todas as células cerebrais nas lâminas eram GFAP+, nossos resultados indicam que o SARS-CoV-2 infecta preferencialmente astrócitos. Também detectamos a proteína spike SARS-CoV-2 em neurônios, embora em menor extensão”, detalham. 

Ainda foi possível concluir que o receptor que permitia a infecção era o NRP1 e que, como um movimento em cadeia, esse quadro infeccioso possivelmente afeta as vias do metabolismo energético e modula proteínas associadas à neurodegeneração. 

“A infecção de astrócitos humanos provoca um fenótipo secretor que reduz a viabilidade neuronal. Nossos dados apóiam o modelo no qual o SARS-CoV-2 atinge o cérebro, infecta astrócitos e, consequentemente, leva à morte ou disfunção neuronal. Esses processos desregulados podem contribuir para as alterações estruturais e funcionais observadas nos cérebros dos pacientes com COVID-19”, complementam os pesquisadores no estudo.

A pesquisa “Morphological, cellular, and molecular basis of brain infection in COVID-19 patients”, de autoria de autoria de acadêmicos da Universidade Estadual de Campinas, foi publicado em 2022 no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Para conferir mais detalhes sobre os impactos da COVID-19 no cérebro humano, acesse o material completo pelo DOI: https://doi.org/10.1073/pnas.2200960119.