Análise comparou ressonâncias e avaliações neuropsicológicas de 68 pacientes diagnosticados com ELA a resultados de 50 pessoas saudáveis para avaliar possíveis impactos na percepção social

Artigo conduzido por equipe da Pontifícia Universidade Católica do Chile comprova relação entre o desenvolvimento da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e a piora de funções cognitivas relacionadas ao comportamento social dos diagnosticados. Por meio da análise da atrofia dos pacientes, pesquisadores comprovaram alterações significativas no córtex insular e no córtex frontal, diretamente ligados ao  comportamento em sociedade dos indivíduos. 

Para o desenvolvimento do artigo, foram selecionados 60 pacientes diagnosticados com ELA e outros 50 indivíduos saudáveis formadores do grupo de controle usado para a comparação dos resultados. Partindo disso, considerou-se a aplicação de exames de imagem para análise da estrutura cerebral, acompanhados de testes cognitivos que avaliaram fatores como fala, audição, memorização e saúde mental e mensuravam os resultados em sistema de pontos conduzido por um único avaliador previamente treinado. 

A leitura das ressonâncias magnéticas ainda reforçou a relação da doença com a redução significativa da massa branca e do volume cerebral, quando comparadas aos diagnósticos por imagem de pacientes com capacidade cerebral preservada e idade média compatível (37 anos). Além de terem maiores índices de depressão e fadiga, diagnosticados em análise neuropsicológica, os pacientes também demonstraram nos testes notas inferiores às do grupo de controle em fluência verbal, velocidade de processamento e memorização visual. 

Confira a seguir os registros dos principais resultados obtidos por meio do processo de testagem física e neuropsicológica dos voluntários para o estudo. As tabelas colocam em comparação as notas obtidas por cada um dos grupos nos critérios e laudos analisados.

Comparação entre os parâmetros de saúde mental dos indivíduos com e sem ELA, considerando o período de duração da doença para diagnosticados | Fonte: Artigo
Diferenças no nível cognitivo entre pacientes e membros do grupo de controle – Fonte: Artigo
Os resultados de cognição social geral não demonstraram grande discrepância entre o grupo de controle e o grupo de diagnosticados. Fonte: Artigo

Com a conclusão dos resultados obtidos, a equipe de pesquisa reforça o papel do estudo para o avanço da pesquisa em torno da Esclerose Lateral Amiotrófica e, mais especificamente, do olhar para pacientes sulamericanos. “O artigo contribui para esclarecer uma das sete expressões gerais da deterioração da cognição social na esclerose múltipla, especificamente a corroboração robusta do declínio do reconhecimento facial de expressões e os seus correlatos neurais. Além disso, os nossos resultados têm a interessante característica de explorar este processo cognitivo num considerável número de pacientes latino-americanos”, finaliza o grupo de pesquisadores responsáveis pelo artigo.

Claudia Cárcamo é uma das responsáveis pela pesquisa aqui mencionada; Neurocirurgia e doutoranda da PUC – Chile, se especializou em Esclerose Múltipla na universidade alemã Bayerische Julius Maximilians
Foto: Internet – Site da Pontifícia Universidade Católica do Chile


Os impactos do declínio das capacidades cognitivas ligadas à sociabilização

Marina Scherer é uma jornalista e digital influencer de 26 anos que, aos 13, foi diagnosticada com Esclerose Múltipla. Recentemente viralizou nas redes sociais ao dividir com mais de 350 mil pessoas os impactos da doença no seu dia a dia. 

Em entrevista ao Brain::Science, ela comenta os resultados do estudo e relata como a doença tem afetado sua fala, linha de raciocínio e memorização durante conversas e momentos de interação social. “Às vezes me faltam palavras para concluir as frases, sabe? Meu raciocínio está lá na frente, mas eu não consigo expressar”, conta. 

Ainda assim, com humor, a influenciadora diz que as dificuldades de desenvoltura nesses fatores, de forma geral, não são o suficiente para impedir que ela tenha boas interações sociais. “Eu lido muito bem com isso. As pessoas às vezes podem simplesmente achar que é uma falta de atenção e não percebem como algo muito ruim”, finaliza Scherer.

Confira um trecho do depoimento da Marina sobre a esclerose múltipla e o seu dia a dia.

Já para Helly Dias de Araújo, enfermeira de 39 anos que convive com diagnóstico de ELA há um ano, o desenvolvimento da doença tem sido mais custoso e atrapalha diversos fatores ligados a sua vida em sociedade. “Eu tenho minha fala afetada e isso me deixa muito constrangida, além disso, minha memória está prejudicada e por muitas vezes isso me machuca, pois esqueço de coisas básicas e não tenho mais a velocidade de raciocínio que tinha antes”, diz a paciente. 

Ela, que vive com um quadro agudo de depressão, intensificado pela condição, finaliza a entrevista contando a percepção de outras pessoas sobre suas dificuldades de socialização – “Algumas pessoas não entendem e riem da situação, porque não há respeito ou empatia por quem tem a esclerose múltipla. Muitas vezes confundem fadiga com preguiça, então posso dizer que minha aptidão social foi sim muito afetada”, complementa.

O artigo “Regional brain atrophy is related to social cognition impairment in multiple sclerosis”, de autoria de Tomas Labbe, Cristian Montanalba, Mariana Zurita, Juan Pablo Cruz, Macarena Vasquez, Sergio Uribe, Nicolás Crossley e Claudia Cárcamo, foi publicado em 2020 e está disponível por meio do DOI 10.1590/0004-282X-anp-2020-0162.