Avaliação feita na UEMS revisitou resultados de exames de polissonografia realizados no Laboratório de Medicina do Sono do HUMAP e demonstrou a prevalência no diagnóstico de mulheres com Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono
Em pesquisa intitulada “Avaliação dos Distúrbios do Sono de Pacientes Submetidos à Polissonografia”, uma equipe de graduandos em medicina na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) obteve resultados inéditos para a literatura sobre patologias relacionadas à qualidade do sono, com destaque para a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). Uma das conclusões do estudo foi a observação inesperada prevalência do sexo feminino dentre os pacientes diagnosticados e também se confirmou a relação entre as alterações na capacidade de dormir e o comprometimento da capacidade neurológica dos indivíduos, acometidos por Sonolência Diurna Excessiva (SED).
Para a análise, foram estudados 101 prontuários de pacientes com idades superiores a 18 anos submetidos a polissonografias no Laboratório de Medicina do Sono do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (HUMAP), entre 2015 e 2019.
Por meio do levantamento, foi possível concluir que, na contramão da bibliografia existente sobre os distúrbios do sono e, mais especificamente sobre a SAOS, as mulheres representaram 58% dos 77% dos pacientes diagnosticados com o distúrbio. Além disso, mais da metade dos laudos médicos analisados concluíram a presença do SED nas pessoas com apneia do sono, fator que interfere diretamente na capacidade cognitiva, memorização e produtividade dos indivíduos.
“É importante destacar a necessidade de cautela na extrapolação dos dados para a população geral, tendo em vista que os pacientes avaliados podem não refletir a realidade da população brasileira geral. Ainda assim, os resultados encontrados podem contribuir para que sejam traçadas estratégias de intervenção no sentido de prevenir ou atenuar a ocorrência de distúrbios do sono, eliminando os fatores de risco modificáveis relacionados a eles”, destaca no texto do artigo, a médica pesquisadora Izabela dos Santos.
A qualidade de vida e o sono das mulheres
Os resultados ainda colocam luz sobre uma problemática que tem início fora dos consultórios: a desigualdade de gênero e a sobrecarga feminina nas duplas jornadas. Embora, biologicamente, as mulheres tenham o sono mais fragmentado, sua prevalência nos resultados pode ser o passo inicial para a observação de que estão cada vez mais estafadas, o que interfere diretamente na qualidade do sono.
A enfermeira Márcia Oliveira, 42 anos, foi diagnosticada com SAOS há cinco anos e desde então vive noites incompletas e dificultosas de sono. A deficiência em cumprir essa função vital para a qualidade de vida causou o agravamento de questões relacionadas ao diagnóstico, como o ganho de peso, a sonolência diurna, redução da produtividade no meio de trabalho e até mesmo dificuldade para dirigir. “O primeiro sintoma foi o ronco, seguido por episódios em que eu parava de respirar e acordava com a sensação de sufocamento”, explicou a enfermeira, que busca opções de tratamento para o diagnóstico até hoje. Ela conta ainda que houve um agravamento do distúrbio ao longo dos anos. “Eu não tinha manifestado sintomas de apneia do sono até então, mas quando comecei a ter plantões de trabalho mais extensos e tive meu segundo filho, comecei a ter dificuldades para dormir que, até hoje, atrapalham muito a minha produtividade durante o dia, pois estou sempre com sono”.
O depoimento conversa com a discussão levantada no estudo e enfatiza o papel nocivo das jornadas duplas no surgimento de distúrbios do sono. “O estressante contexto social no qual as mulheres estão inseridas, com cobranças referentes ao trabalho, cuidados com a família, estética, entre outros fatores, pode fazer com que assumam comportamentos não saudáveis e que impactam negativamente no sono”, disserta Izabela no estudo.
Sobrepeso e obesidade protagonizam surgimento e agravamento dos distúrbios do sono
Embora o artigo tenha levantado observações inéditas quanto à qualidade do sono, também reiterou questões amplamente abordadas pela literatura clínica, como a interferência do sobrepeso e da obesidade nos distúrbios. Dos analisados, 95,5% apresentaram o Índice de Massa Corporal (IMC) acima do indicado por órgãos reguladores de saúde pública.
Considerando que a ausência do sono reparador favorece comprovadamente o ganho de peso por causar alterações hormonais ligadas à percepção de fome, o artigo aponta que é possível dizer que o paciente diagnosticado com a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono se encontra em um cenário cíclico – a dificuldade para dormir faz com que ele ganhe mais peso e, paralelamente, esse ganho contribui para o agravamento de problemas existentes e o surgimento de novos, sendo preciso reforçar o papel do acompanhamento médico para diagnósticos corretos e tratativas eficazes para minimizar sintomas ou até mesmo alcançar a cura.
O artigo “Avaliação dos Distúrbios do Sono de Pacientes Submetidos à Polissonografia”, de autoria de Izabela Dos Santos Barbosa, José Carlos Souza, Paulo de Tarso Guerrero Muller, Paola Oliveira Cavalcante Brito, Caroline Torres Augusto e Isabella Azevedo Cardeliquio Cantarelli, foi publicado na íntegra na 3a. edição da Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria.