(Foto de Alexander Grey na Unsplash)
Estudo publicado na revista Neurocritical Care demonstra eficácia do método não invasivo desenvolvido pela empresa brasileira para cuidado de pacientes neurocríticos
Um avanço significativo na avaliação da pressão intracraniana (PIC) foi alcançado com a publicação do artigo de revisão científica “A Point-of-Care Noninvasive Technique for Surrogate ICP Waveforms Application in Neurocritical Care”, na revista Neurocritical Care, em julho de 2023. Liderado pelos pesquisadores Sérgio Brasil, Daniel A. Godoy e Gregory W. J. Hawryluk, o trabalho apresenta a tecnologia brain4care e introduz uma abordagem inovadora para avaliar a forma da onda da PIC a partir de um método não invasivo de monitorização das variações de pressão e complacência intracraniana.
Essa tecnologia tem por fundamento uma contribuição científica pioneira por Sérgio Mascarenhas, físico e professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), falecido em 2021, cujo trabalho atualiza os conceitos da chamada doutrina de Monro-Kellie ao provar que o crânio não é uma estrutura rígida e pode sofrer deformações em escala diminuta, viabilizando a monitorização não invasiva da PIC. A partir dessa sua descoberta, Mascarenhas fundou a brain4care, em 2014 .
Pesquisa
A pesquisa revisou, a partir de alguns estudos, a capacidade do método brain4care de indicar os componentes P1, P2 e P3 da onda de PIC por meio de um sensor vestível, posicionado externamente sobre a cabeça do paciente. Utilizando um algoritmo baseado em redes neurais artificiais, o estudo de Brasil e colaboradores (2021), avaliou a correlação entre a relação P2:P1 e o intervalo time-to-peak (TTP), elevando controladamente a PIC em 57 pacientes neurocríticos. O estudo mostrou elevação significativa da relação P2:P1 após aumento da PIC (p=0,01).
Além disso, no estudo de Frigieri e colaboradores (2023), foi desenvolvido um algoritmo de inteligência artificial capaz de correlacionar extensos conjuntos de dados obtidos por meio do método brain4care com medidas de PIC obtidas por métodos invasivos, estabelecendo uma escala para quantificar a complacência intracraniana. Os resultados permitem atestar a eficácia da tecnologia na monitorização de lesões cerebrais traumáticas e sua utilidade para o diagnóstico de condições como hidrocefalia, disfunção de shunt e também para procedimentos cirúrgicos não relacionados ao sistema nervoso central.
De acordo com o médico neurocirurgião e pesquisador Dr. Sérgio Brasil, co-autor do artigo, ao evitar procedimentos neurocirúrgicos invasivos, o método brain4care também reduz riscos e custos associados ao monitoramento da PIC. “Sua portabilidade oferece flexibilidade, tornando-o aplicável em diferentes cenários clínicos. Além disso, o dispositivo pode se mostrar crucial em condições neurológicas diversas, expandindo seu potencial de uso”, diz o autor da pesquisa. “Brain4care não é apenas um dispositivo; é uma promissora tecnologia para a compreensão dinâmica e personalizada da PIC, influenciando positivamente a gestão clínica e prognóstica em diversos cenários médicos”, acrescenta.
Aprimoramentos
A implementação de melhorias no processamento de sinais e o desenvolvimento de mecanismos automáticos de ajuste do sensor são caminhos promissores para a evolução da tecnologia fornecida pela brain4care, conforme apontam os autores do estudo de revisão. Por isso, entre os objetivos do grupo está o aprimoramento da precisão, da acessibilidade e da aplicabilidade clínica da tecnologia. Um dos desafios ainda existentes é a sensibilidade do método não invasivo a movimentos do paciente, que podem interferir nos resultados da monitorização. Ainda assim, segundo o estudo, a tecnologia emerge como uma alternativa sem descartável, potencialmente mais acessível e menos dispendiosa do que as técnicas invasivas tradicionais.
“Em pacientes críticos, que estejam sendo ventilados mecanicamente e em repouso no leito, a tecnologia traz dados mais precisos para a tomada de uma decisão, seja ela clínica ou cirúrgica”, destaca o Dr. Sérgio Brasil. Ele também ressalta a importância de reunir informações anatômicas e dinâmicas para uma compreensão abrangente. “Uma vez que o médico – intensivista – perdeu a interação com o seu paciente, num cenário em que o doente está sedado e em ventilação mecânica invasiva, é necessário a junção de exames para se obter diagnósticos mais precisos e, inclusive, antecipar complicações neurológicas que poderão se desenvolver. Neste cenário, a tecnologia brain4care contribui grandemente.”
O pesquisador também enfatiza a importância da capacitação dos profissionais da área médica para que seja feita a leitura e compreensão dos dados gerados pelo sistema de monitorização da PIC, de modo que os dados gerados pelos sensores e algoritmos da brain4care sejam corretamente interpretados. “É fundamental que os médicos tenham conhecimento sobre a interpretação dos dados dessa ferramenta, que pode ser permanentemente usada em pacientes que estejam em estado crítico”, frisa Dr. Sérgio Brasil.
Os pesquisadores ainda destacam a necessidade de ampliar a investigação sobre as correlações possivelmente existentes entre os resultados gerados com o uso do método brain4care e outras técnicas não invasivas aplicadas a cuidados de pacientes neurocríticos, como a pupilometria, doppler transcraniano e medidas de diâmetro da bainha do nervo óptico.
O artigo aponta, ainda, que essa abordagem multifacetada pode ajudar a enriquecer a compreensão das alterações hemodinâmicas cerebrais e aprimorar as estratégias terapêuticas associadas a essas condições. “Se [o médico] se guiar apenas por uma tomografia, por exemplo, não conseguirá atuar de forma preventiva. Pois sempre que o paciente apresentar alterações, o problema já estará instaurado. A imagem posterior não é fisiológica, portanto, não antecipa o problema”, explica Dr. Sérgio Brasil. “Por isso é importante reunir os dois mundos: as informações anatômicas e as dinâmicas de uma imagem, além dos métodos que são baseados em fisiologia.”
Sobre os autores
Sérgio Brasil é pós-doutor pelo Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), membro do comitê científico da brain4care e atua na área de neurossonologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de São Paulo (FMUSP- SP).
Daniel A. Godoy é chefe do Serviço de Terapia Intensiva Neurológica e Neurocirúrgica do Sanatório Pasteur, além de médico da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital San Juan Bautista, com experiência em terapia intensiva neurológica, tendo contribuído, na pesquisa, para a compreensão avançada das aplicações clínicas da tecnologia da brain4care.
Gregory WJ Hawryluk é pesquisador afiliado à Cleveland Clinic, em Ohio, EUA, reconhecido por suas contribuições nas áreas de traumatismo crânio-encefálico e lesão medular, tendo sido coautor de 90 publicações científicas, com 4.905 citações; suas afiliações anteriores incluem a Uniformed Services University of the Health Sciences e a Universidade da Califórnia, em São Francisco.
Confira a publicação completa através do link.