Desenvolvido por uma empresa brasileira, a tecnologia é segura e apresenta resultados comparáveis a métodos invasivos
O artigo “Prediction of intracranial hypertension through noninvasive intracranial pressure waveform analysis in pediatric hydrocephalus”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, confirmou a possibilidade de monitorar as variações de volume e pressão intracranianos (complacência intracraniana) em crianças e jovens de até 18 anos com hidrocefalia, por tecnologia não invasiva, desenvolvida pela empresa brasileira brain4care.
A proposta de realizar estudos clínicos com esse público nasceu de uma indagação do neuropediatra Matheus Fernando Manzolli Ballestero, que participou do desenvolvimento do primeiro dispositivo minimamente invasivo para medição da pressão intracraniana em 2007, quando atuava como residente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, e se transformou em uma pesquisa coordenada pelo cientista Sérgio Mascarenhas de Oliveira (1928-2021). “Na clínica médica, como neurocirurgião pediátrico, a pergunta era: será que essa válvula está funcionando? Será que o sensor ajudaria a diagnosticar e dar seguimento no tratamento dessas crianças?”, relembra Ballestero.
A Doença
A hidrocefalia é considerada um problema de saúde social devido ao impacto na vida do paciente e ao ônus socioeconômico que a doença acarreta. A incidência de hidrocefalia congênita é de 4,6 a 5,9 entre 100 mil indivíduos. As despesas anuais para o tratamento da doença chegam a aproximadamente US$ 1 bilhão somente nos Estados Unidos.
Ballestero produziu a sua dissertação de mestrado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP/USP, entre 2013 e 2016, com um protótipo do que hoje é o dispositivo não invasivo da brain4care. Cinquenta e seis crianças e jovens com menos de 18 anos foram monitorizados neste estudo; para análise dos resultados, foram considerados os dados de 28 pacientes
divididos em quatro grupos:
A – crianças com hidrocefalia controlada;
B – pacientes com hidrocefalia tratada cirurgicamente – através de válvulas;
C – pacientes com hipertensão intracraniana aguda devido à hidrocefalia;
D – crianças sem doença neurológica (controle).
Ao analisar as ondas e a relação entre P2/P1, a pesquisa mostrou que a tecnologia brain4care trata-se de um método útil e não invasivo de monitorização das variações de volume e pressão intracranianos, capaz de indicar a hipertensão intracraniana em crianças com hidrocefalia e, portanto, deve continuar sendo investigado para aplicações clínicas.
Em crianças abaixo de 2 anos, como previsto pelos especialistas condutores do estudo, o método não foi tão efetivo devido à moleira, o que aumenta a tolerância a variações da pressão intracraniana. Para diagnósticos de hidrocefalia em pacientes menores de 2 anos, a análise clínica se comprovou
mais adequada.
A maior diferença entre o método padrão ouro de aferição da pressão intracraniana e o método não invasivo desenvolvido pela brain4care é que o primeiro oferece valores absolutos da pressão intracraniana e requer o perfuramento do crânio e a inserção de um sensor no espaço intraventricular
ou intraparenquimal do paciente, uma condução precisa, porém custosa, e que traz riscos de hemorragia e infecção aos pacientes. O método não invasivo, por outro lado, requer apenas o posicionamento do sensor externo sobre a região das têmporas e permite a monitorização contínua, embora não ofereça os valores absolutos, baseia-se em parâmetros como a relação entre os dois principais picos da onda da PIC (P2/P1) e o tempo para atingir o pico.
Do primeiro estudo em humanos à atualidade
Publicado em 2017 pelos especialistas Matheus Fernando Manzolli Ballestero (Neuropediatra – UFSCar), Gustavo Frigieri (Pós-Doutorado pelo Instituto de Física de São Carlos – IFSC/USP), Brenno Caetano Troca Cabella (Físico-médico – Pós-Doutorado pela Fundação Instituto de Física Teórica (IFT), Sérgio Mascarenhas de Oliveira (Cientista, pesquisador, professor do Instituto de Física de São Carlos – IFSC/USP e criador do método não invasivo para medição da pressão intracraniana em
2007) e Ricardo Santos de Oliveira (Neurocirurgião – Pós-Doutorado – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/FMRP-USP), o referido artigo impulsionou as pesquisas com o método não invasivo de monitorização de variações de volume e pressão intracranianos (complacência intracraniana)
desenvolvido pela empresa brasileira.
No mesmo ano, a tecnologia com fio recebeu a Certificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e a liberação para uso comercial. Ainda naquele ano, a empresa apresentou a solução no Congresso Mundial de Medicina Intensiva e recebeu a patente nos Estados Unidos. No
ano seguinte, a patente foi liberada na Europa e o Hospital Sírio-Libanês tornou-se o primeiro cliente da empresa a utilizar o aparelho.
Em 2019, a empresa recebeu a certificação e liberação para uso comercial do sensor sem fio para medição da PIC. Em 2021, a Food and Drug Administration (FDA), agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, certificou a tecnologia brain4care, liberando o
uso do sensor em território norteamericano.
O vanguardismo de Sérgio Mascarenhas
Diagnosticado com hidrocefalia em 2005 e indignado com os processos invasivos pelos quais passou, o físico-químico Sérgio Mascarenhas de Oliveira (1928-2021), um dos fundadores da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar, dentre outros feitos, criou, em 2007, o primeiro sensor minimamente invasivo para monitorar variações de volume e pressão intracranianos, realizando a primeira experiência de expansão e contração da caixa craniana e dando início à criação do brain4care.
Membro titular da Academia Brasileira de Ciências, Mascarenhas foi professor visitante de algumas das principais universidades do mundo, como Princeton, Harvard e MIT, e recebeu honrarias como o prêmio Joaquim da Costa Ribeiro, outorgado pela Sociedade Brasileira de Física, a “pesquisadores com reconhecida contribuição ao longo de sua carreira para a Física da Matéria Condensada e de Materiais no Brasil”.
Após a publicação deste artigo, junto aos colegas, em 2017, até hoje, outras 59 pesquisas de importantes universidades foram publicadas em periódicos nacionais e internacionais. Uma delas, divulgada na revista científica Journal of Personalized Medicine, realizada com pacientes de UTI do Hospital das Clínicas da USP com a tecnologia brain4care, chegou à conclusão de que o sensor não invasivo produz resultados similares aos do padrão ouro de monitoramento da PIC.
A pesquisa “Prediction of intracranial hypertension through noninvasive intracranial pressure waveform analysis in pediatric hydrocephalus” foi publicada pela Springer-Verlag Berlin Heidelberg, no dia 30 de maio de 2017. O estudo completo pode ser acessado por meio do DOI: 10.1007/s00381-017-
3475-1.
O artigo “A Novel Noninvasive Technique for Intracranial Pressure Waveform Monitoring in Critical Care”, que tem como autores Sérgio Brasil, Davi Jorge Fontoura Solla, Ricardo de Carvalho Nogueira, Manoel Jacobsen Teixeira, Luiz Marcelo Sá Malbouisson e Wellington da Silva Paiva, foi publicado no
periódico Journal of Personalized Medicine em 5 de dezembro de 2021 e pode ser acessado por meio do DOI: 10.3390/jpm11121302.