Covid-19 provoca aumento da concentração no sangue de D-dímero, um dos produtos da degradação de fibrina, proteína envolvida com a formação do coágulo

Um estudo clínico concluído em 2021 descobriu que pacientes com diagnóstico de Covid-19 aparentam ser particularmente suscetíveis a desenvolverem complicações neurológicas, além da perda do olfato e paladar. A pesquisa tem autoria do neurocirurgião Simão Lunière Gonçalves, do Hospital Geral de Roraima, do Hospital Coronel Mota e do Centro de Oncologia de Roraima, e foi realizada em parceria com Joana de Sousa Resende e Ianara Fernanda de Lima Mendes, estudantes de Medicina da Universidade Federal de Roraima.

Na pesquisa acadêmica, foi relatado o caso clínico de um paciente com diagnóstico de Covid-19 que evoluiu com Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico, sem apresentar qualquer outro fator de risco para desenvolver um insulto neurológico. “A formação de coágulo dentro da artéria em consequência da infecção viral é o fator mais provável de ter ocasionado este AVC isquêmico”, observa o neurocirurgião Lunière, formado em 2010 e com residência em neurocirurgia completada em 2016 pelo Hospital Getúlio Vargas, de Manaus (AM).

Neurocirurgião Gonçalves: “a novidade do estudo foi correlacionar o D-Dímero, um dos produtos da degradação de fibrina, uma proteína envolvida com a formação do coágulo, com o AVC”.

Pista no sangue

Outro indicativo revelado pelo estudo, destaca Lunière, é um volume de D-Dímero elevado no sangue, também relacionado a um risco aumentado de trombose e um prognóstico desfavorável em pacientes com diagnóstico de Covid-19. O D-Dímero é um dos produtos da degradação de fibrina, uma proteína envolvida com a formação do coágulo. “Outros artigos já o relacionam com o trombo pulmonar, mas a novidade do estudo foi correlacionar o D-Dímero com o AVC”, informa o neurocirurgião.

A relação definitiva entre a Covid-19 e a ocorrência de AVC ainda não foi determinada. Conforme afirma o pesquisador. “Ainda são necessários mais estudos para complementar os atuais”. O ideal, segundo Lunière, é que todo paciente com diagnóstico de Covid-19 faça exame para verificar o nível de D-dímero na corrente sanguínea, para se houver elevação, seguir-se tratamento adequado para diminuir a probabilidade de instalação do AVC.

“O tratamento contra a COVID-19 é o mesmo para todas as faixas etárias, mas a população deve dar atenção aos sintomas gripais iniciais para excluir a possibilidade do Covid e suas possíveis complicações, como o AVC”, sublinha Lunière. Segundo ele, o SARS-CoV-2 pode infectar quase todos os órgãos e os sintomas típicos da Covid-19, são a princípio febre, tosse seca, mialgia e dispneia, sendo que alguns pacientes podem relatar cefaleia, tontura, diarreia, náusea e vômito, além da perda do olfato e paladar.

Caso clínico

A pesquisa realizada é tema do paper “Acidente Vascular Cerebral Isquêmico como Consequência de Infecção por COVID-19: um relato de caso”. O estudo foi publicado no Jornal Brasileiro de Neurocirurgia (Brazilian Journal of Neurosurgery), a revista científica de neurocirurgia mais antiga do nosso país, criada em 1973, com o nome de Seara Médica Neurocirúrgica.

O paper revela a evolução e os aspectos clínicos de um paciente do sexo masculino, internado em um hospital público na cidade de Boa Vista, Roraima (RR), no dia 2 de julho de 2020. Ele é pardo, 32 anos, não etilista, não tabagista e negou alergias, isto é, sem fatores de risco anteriores para o desenvolvimento do quadro neurológico. Porém, teve diagnóstico de AVC isquêmico em vigência de infecção por Covid-19.

Evolução

No ingresso do paciente no centro médico, o acompanhante relatou sintomas gripais de sete dias, além de cefaleia, febre, tosse esporádica e sonolência, entre outros sintomas. A Tomografia Computadorizada (TC) de crânio apresentou extensa isquemia. Após avaliação pelo Serviço de Neurocirurgia, foi realizado procedimento cirúrgico, optando-se por craniectomia descompressiva.

O paciente teve um trombo dentro de uma região chamada artéria cerebral média, com quase metade do cérebro tendo sido lesionado. Ele ficou com um lado do corpo paralisado, com fraqueza no braço e na perna e teve também dificuldade de fala (afasia).

Conclusão

O vírus SARS-CoV-2 pode entrar nas células do miocárdio por meio do receptor ACE-2, proporcionando inflamação e lesão, predispondo à trombogênese e risco de AVC. Mesmo com a ausência de fatores predisponentes, a infecção por SARS-CoV-2 pode levar ao acometimento do paciente por doenças cerebrovasculares.

Devemos lembrar que a proteína à qual o vírus adere (ACE-2) está presente em grande quantidade no tronco cerebral – onde localiza-se o centro respiratório – intensificando em determinados pacientes a falta de ar, e não apenas a lesão pulmonar sendo geradora da dispneia.

Também é importante destacar que o vírus da Covid-19 pode até não obstruir completamente a artéria com um trombo (como no caso relatado), mas ainda assim gerar diminuição do fluxo sanguíneo cerebral em determinadas regiões, ocasionando lesões de neurônios de intensidade variável.

O AVC pode ser identificado em pacientes com diagnóstico de Covid-19 e seus mecanismos podem estar relacionados aos mecanismos convencionais do AVC ou à infecção por SARS-CoV-2. O que se tem demonstrado atualmente nos estudos publicados é que a infecção grave pode estar associada à ocorrência de doença cerebrovascular, especialmente AVC Isquêmico.