Estudo contou com uma amostra inicial de quase 43 mil artigos em periódicos e bases de dados científicas e avaliou definição fisiológica, interpretação clínica e localização anatômica da complacência intracraniana

O artigo científico “Intracranial compliance concepts and assessment: A scoping review”, publicado no periódico científico Frontiers in Neurology, mapeou as definições e os usos clínicos e acadêmicos da noção de complacência intracraniana, capacidade de adaptação dos componentes intracranianos mediante a variações de pressão e volume.

A complacência intracraniana possui um grande potencial para diagnósticos da saúde da dinâmica entre os componentes do crânio – sangue, líquor e cérebro. Seu monitoramento pode ajudar a identificar o desequilíbrio entre esses componentes e ajudar na tomada de decisões clínicas muito antes de o quadro de um paciente evoluir para um estágio grave.

Gabriela Nagai Ocamoto, fisioterapeuta, doutoranda em Fisioterapia Neurológica na Universidade Federal de São Carlos e autora principal do trabalho, concluiu que o monitoramento da complacência intracraniana (CIC) possui uma clara aplicabilidade no contexto clínico, podendo ser considerado um recurso essencial para complementar o monitoramento e o exame da pressão intracraniana (PIC).

Além disso, o monitoramento da CIC pode auxiliar na predição da deterioração da função cerebral. O estudo também sugere que é necessário combinar e validar métodos de medição invasivos e não invasivos para ter um melhor entendimento e avaliação da condição clínica do paciente

Baseado no método de revisão de escopo, o estudo usou combinações de palavras-chave e de descritores para investigar as noções de complacência intracraniana entre os principais periódicos e bases de dados científicas. Foram identificados na seleção 42.851 artigos; desses, 297 estudos atenderam aos critérios de inclusão da complacência intracraniana após o processo de seleção.

“Por meio da pesquisa, conseguimos identificar de forma abrangente as noções de complacência intracraniana. Se em estudos futuros for necessário identificar os diferentes pontos de vista sobre esse conceito, será possível elaborar hipóteses relacionadas a diferentes patologias”, explica a pesquisadora.

“O contexto da própria patologia pode fornecer informações que poderiam estar relacionadas com a complacência. Assim, abrem-se maiores possibilidades de abordagem e de monitoramento, não focadas apenas no cuidado de pacientes neurocríticos, nos quais a noção de complacência e suas implicações já são mais familiares”, complementa.

Para Thiago Luiz de Russo, professor do Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da UFSCar e autor de correspondência do estudo, a principal relevância do estudo é o estabelecimento de um campo fértil para o desenvolvimento de novas pesquisas na área, mostrando algumas lacunas e direcionamentos futuros.

“Ao mapearmos um conceito, somos capazes de disponibilizar para a área os pontos de consenso em torno dele para que a comunidade de pesquisadores possa utilizá-lo, tendo ciência inclusive das implicações e relações estabelecidas com outros conceitos importantes para o neurointensivismo. O trabalho de revisão de escopo permite uma padronização de termos e uma listagem clara de suas implicações clínicas e correlações conhecidas entre sinais biológicos distintos, por exemplo”, aponta.

Resultados e apontamentos identificados durante a pesquisa

O mapeamento foi organizado em três componentes principais: definição fisiológica, interpretação clínica e localização anatômica dos fenômenos. A maioria dos estudos relatou o conceito de complacência relacionado às variações de volume e pressão ou seu inverso (elastância), principalmente no compartimento intracraniano.

Além disso, termos como “acomodação”, “compensação”, “capacidade de reserva” e “capacidade de amortecimento” foram usados para descrever a interpretação clínica. A maioria dos estudos descreve a complacência como um fenômeno intracraniano. Por fim, a padronização da terminologia é fundamental para garantir a comunicação mais efetiva entre pesquisadores e clínicos.

O estudo mapeou a definição fisiológica, a interpretação clínica e localização anatômica
dos fenômenos.

“Conseguimos ter uma melhor compreensão sobre as diferentes noções acerca da complacência intracraniana e do papel da análise da PIC para sua aferição, assim como verificar se a noção de complacência intracraniana aparecia vinculada a formas de monitoramento, tanto invasivas quanto não invasivas, em um contexto de cuidado neurocrítico. Dessa seleção, 520 artigos foram lidos na íntegra, sendo 297 incluídos para se realizar a revisão completa dos desfechos trazidos por eles”, comenta Gabriela.

O trabalho acadêmico também descreveu as técnicas (invasivas e não invasivas) e os resultados usados para monitorar e interpretar a complacência intracraniana. Os métodos utilizados com maior frequência foram os invasivos, representando 57% do total.

As variáveis mais comumente avaliadas foram relacionadas à PIC, principalmente os valores absolutos ou amplitude de pulso. Concluiu-se que as formas de onda de pressão intracraniana ainda devem ser melhor exploradas, juntamente com o potencial de métodos não invasivos, uma vez que diferentes aspectos da complacência intracraniana podem ser interpretados a partir dessas formas de monitoramento.

O artigo “Intracranial compliance concepts and assessment: A scoping review”, assinado por Gabriela Nagai Ocamoto, Thiago Russo, Rafaella Mendes Zambetta, Gustavo Frigieri, Cintya Yukie Hayashi, Sérgio Brasil, Nícollas Nunes Rabelo e Deusdedit Lineu Spavieri Júnior, foi publicado em 25 de outubro de 2021 no periódico Frontiers in Neurology. O texto pode ser acessado por meio do DOI 10.3389/fneur.2021.756112