Estudo identifica 31 genes do tumor alterados; informação poderá auxiliar equipes médicas sobre qual tratamento é o mais indicado

Uma pesquisa realizada  na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da UNESP de Araraquara em parceria com o Centro de Terapia Celular (CTC) de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), descobriu 31 novos genes/biomarcadores do glioma, o tipo de câncer cerebral mais comum, letal e prevalente em adultos. Publicado na revista Frontiers in Oncology, o artigo científico é assinado pelos cientistas Rodolfo Bortolozo Serafim, Wilson Araujo Silva Junior e Valeria Valente, entre outros autores.

Em 2020, ocorreram no mundo cerca de 200 mil mortes por glioblastoma, o mais agressivo dos gliomas cerebrais. Atualmente, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), no Brasil são diagnosticados 5,8 mil novos casos de tumores todos os anos, com estimativa de mortalidade de 5,49 mil – isto é, com expectativa de sobrevida bastante reduzida. “Embora o câncer cerebral seja um dos com menor incidência, com 2% a 3% dos casos, os pacientes têm poucas chances de cura, ao contrário, por exemplo, do câncer de mama”, explica a bióloga Valéria Valente, associada ao CTC e docente da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Araraquara. 

De acordo com as análises genéticas do glioma, será possível ao médico orientar-se sobre qual paciente deve ou não ser submetido à radioterapia (foto cedida: arquivo pesquisadores)

Recidiva do tumor

“Um dos caminhos na luta contra o câncer cerebral é o de procurar compreender quais são as alterações do funcionamento dos genes envolvidos na formação das células tumorais”, destaca Valeria. “Ao longo da vida, as mutações se acumulam nas células naturalmente e este processo natural se amplia com o envelhecimento. No entanto, esse conjunto de mutações que foi acumulado pode promover um mal funcionamento das células, propiciando proliferação descontrolada e ocorrer o surgimento de um câncer”, observa.

Professora Valeria Valente | FCF-Unesp Araraquara: “com a descoberta desses 31 genes, a expectativa agora é poder auxiliar as equipes médicas na escolha de qual conduta de tratamento é mais indicada”
(foto cedida: arquivo pesquisadores)

Paciente de glioma é tratado atualmente com cirurgia para extração do tumor, seguido por sessões de quimioterapia e radioterapia, ou ambos, de acordo com cada caso. Valeria conta que o desafio dos médicos é tentar impedir a recidiva do tumor, eliminando o que não pode ser retirado na cirurgia. No entanto, devido à resistência das células tumorais ao tratamento, a taxa de sobrevida dos pacientes tende a ser baixa. Aproximadamente, 80% dos pacientes submetidos a radioterapia têm recidiva em até 14 meses após o tratamento.

Passo a passo

O estudo do grupo foi realizado com modelos de linhagens de células derivadas de tumores e cultivadas em laboratório. Desse conjunto, duas linhagens eram bem mais resistentes à radiação, e de proliferação menor; e outras duas mais sensíveis, de proliferação maior, porém quando submetidas à radiação, com mais mortalidade. Foi então realizada uma análise do padrão de expressão gênica global dessas células para descobrir quais genes estão ativos em cada uma dessas linhagens, isto é, o que estão produzindo, expressando etc.

Da comparação entre as células, as linhagens resistentes mostraram um conjunto de genes com expressão aumentada, isto é, em maior atividade que nas células sensíveis. Este conjunto de genes se mostrou comum às duas células resistentes. Havia ali um conjunto de alterações nas duas linhagens resistentes que não estava presente nas sensíveis. As células resistentes expressaram um conjunto de genes mais aumentado do que as sensíveis. Foram empregadas uma série de ferramentas para avaliar o papel da cada gene, que tipo de função têm, quais alterações podem ocasionar nas células etc. 

Resultados

A partir dos resultados obtidos em laboratório, foram investigadas possíveis associações entre as alterações típicas das linhagens resistentes com dados de pacientes. Os dados do laboratório foram então confrontados com informações disponíveis em bancos de dados públicos de câncer  (The Cancer Genome Atlas – TCGA), que possuem informações de expressão gênica e clínicas de pacientes com glioma submetidos à radioterapia – e constatou-se  que alguns pacientes têm o quadro aumentado e outros não. Justamente aqueles que têm o quadro aumentado não respondem bem à radioterapia. Assim, foi identificada uma assinatura de 31 genes correlacionados com a baixa eficiência do tratamento.

No grupo de 31 genes identificados no estudo como associados à radio-resistência, foi descoberto que qualquer combinação de pelo menos 21 deles confere risco de sobrevida menor de cinco anos superior a 90%. Também foram encontrados outros 7 genes específicos que, quando aumentados, promovem aumento de letalidade, independentemente do tratamento a ser adotado. 

De acordo com as análises genéticas do glioma, será possível ao médico orientar-se sobre qual paciente deve ou não ser submetido à radioterapia

“Com a descoberta desses 31 genes, a expectativa agora é poder auxiliar as equipes médicas na escolha da conduta de tratamento mais indicada. De acordo com as análises genéticas do glioma, será possível ao médico orientar-se sobre qual paciente deve ou não ser submetido à radioterapia”, destaca Valeria. Os próximos passos da pesquisa serão agora tentar entender melhor os processos celulares regulados por cada um dos 31 genes e explorar a assinatura de genes obtida neste estudo em outros tipos de tumores, como por exemplo, tumores de cabeça e pescoço, um outro tipo de câncer bastante resistente à radioterapia. 

Autoria e financiamento

O CTC é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fapesp e tem sede na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. O trabalho acadêmico também foi apoiado pela Fundação por meio de bolsas e de Auxílio Regular à Pesquisa.

O artigo “Expression Profiling of Glioblastoma Cell Lines Reveals Novel Extracellular Matrix-Receptor Genes Correlated With the Responsiveness of Glioma Patients to Ionizing Radiation” foi publicado na revista Frontiers in Oncology em maio de 2021 .