Pesquisa-piloto também identificou que perturbações na dinâmica da circulação sanguínea cerebral estão presentes em casos que resultam em intubação prolongada ou morte
Uma pesquisa realizada com uma população de 50 pacientes que apresentavam Covid-19 em estado grave, internados na UTI do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), identificou uma correlação entre comprometimentos na complacência intracraniana e na hemodinâmica encefálica com o agravamento da doença. Em artigo publicado na revista Brain Sciences, os resultados apontam que a monitorização dos dois parâmetros pode ajudar a antecipar a piora na condição de pacientes portadores da doença.
Dentre os 50 pacientes, 30 faleceram no período de uma semana a partir da intubação e 5 continuaram intubados. A pesquisa identificou que esse grupo de 35 pessoas apresentava maior comprometimento tanto da complacência intracraniana, a capacidade do crânio em regular sua pressão interna, quanto da hemodinâmica encefálica, a dinâmica do fluxo sanguíneo no cérebro em relação ao grupo de 15 pessoas que pôde deixar a intubação dentro do período.
“Nesse período de sete dias, os pacientes com resultados melhores para os dois parâmetros já haviam evoluído para a extubação e para a ventilação espontânea”, avalia Sérgio Brasil, pesquisador pós-doutoral da divisão de neurocirurgia do HC/USP e líder do estudo, que contou com a participação de outros 14 pesquisadores. “Faço a ressalva de que encontramos alterações vasculares em quase todos os pacientes, mas sua gravidade foi correlacionada com a incapacidade do paciente de evoluir para uma respiração espontânea. Mesmo quando a gente fez a última avaliação, quando o paciente já estava extubado e ventilando espontaneamente, a prevalência de alterações nos exames ainda era alta, mas significativamente menor do que no início da intubação.”
Uma das premissas que nortearam a condução do estudo foi o fato de a Covid-19 apresentar muitos sintomas neurológicos, como dores de cabeça, náusea, anosmia (perda do olfato) e parestesia (sensação de formigamento). Além disso, portadores em estado grave em muitos casos sofrem de soloência, letargia e delirium. Assim, o monitoramento da complacência intracraniana e da hemodinâmica encefálica permitiria compreender mudanças de perfusão cerebral nos pacientes e dar suporte a decisões clínicas que auxiliassem em sua recuperação.
O estudo acompanhou 50 pacientes de Covid-19 internados de forma consecutiva em seis UTIs do Hospital das Clínicas entre maio e junho de 2020. Para cada paciente, a complacência intracraniana e a hemodinâmica encefálica foram aferidas em duas ocasiões: a primeira durante as primeiras 72 horas a partir da intubação e a segunda também num período de até três dias após a retirada da ventilação mecânica. A hemodinâmica encefálica foi medida a partir de Doppler transcraniano, enquanto a complacência intracraniana foi aferida a partir de um sensor não invasivo.
“As medições desses dois parâmetros são complementares. Todos eles se ajudam de alguma forma e é ruim quando temos poucos instrumentos de monitoramento, porque ficamos mais limitados no leque de diagnósticos que se pode fazer”, pondera Sérgio Brasil. “Quando podemos fazer uma monitorização seriada do paciente, há uma maior chance de detectar de forma precoce o momento em que o quadro do paciente começa a piorar e tomar alguma medida para evitar o agravamento.”
O artigo “Cerebral Hemodynamics and Intracranial Compliance Impairment in Critically Ill COVID-19 Patients: A Pilot Study”, que apresenta os resultados da pesquisa, publicado em 30 de junho de 2021 no periódico Brain Sciences e pode ser acessado pelo DOI: 10.3390/brainsci11070874.