Conhecido como o “mestre dos cientistas”, pesquisador propôs desenvolver o Brasil por meio da educação, ciência, tecnologia e inovação

Sérgio Mascarenhas (02/05/1928 – 31/05/2021). (Foto: Mariana Costa/Wikimedia)

Nascido no Rio de Janeiro, o brasileiro Sérgio Mascarenhas (02/05/1928 – 31/05/2021) graduou-se em Física na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e em Química na Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ), entre 1947 e 1951. Foi discípulo de Anísio Teixeira, César Lattes, Álvaro Alberto, Bernhard Gross e Joaquim da Costa Ribeiro, com quem trabalhou ativamente em pesquisa aplicada sobre fenômenos dielétricos, tema de suas primeiras publicações.

Ainda jovem e recém instalado na cadeira do Departamento de Física da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, em 1960 Mascarenhas partiu para uma temporada de pesquisas nos Estados Unidos, como bolsista da Fundação Fulbright, no Carnegie Institute of Technology, em Pittsburgh. Em visita a Washington, Mascarenhas consegue um acordo com a Fulbright Commission para a concessão de bolsas anuais para financiar visitas de intercâmbio entre professores norte-americanos e membros do então nascente grupo de pesquisa em física do estado sólido de São Carlos, num programa de três anos.

De São Carlos para o mundo

Muitos pesquisadores vieram do Rio de Janeiro, alguns de São Paulo, outros do exterior. Com as bolsas obtidas com a Fundação Fulbright, esse grupo pode atuar em programas avançados de pesquisa em universidades norte-americanas de ponta, em intensidade até então nunca vista no Brasil.

Sérgio também foi professor visitante em diversas universidades dos Estados Unidos, México, Japão e Itália. E vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), além de membro e dirigente de diversas outras associações, incluindo a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

Ciência aplicada

Sempre procurando aplicar a física mais avançada a problemas reais e complexos que limitam o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, Mascarenhas e suas equipes de pesquisa e desenvolvimento criaram técnicas, métodos, processos e produtos patenteados, com aplicações vigentes e hoje utilizadas diariamente por milhares de pessoas.

Como exemplos de aplicações, podem ser citados os monitores de dosimetria individual de radiação em hospitais, clínicas, indústrias, ou pacientes com traumatismo craniano ou hidrocefalia que passaram a ter sua pressão intracraniana monitorada por um sensor não invasivo.

Tecnologia no solo

Também amplamente reconhecida é a contribuição de Mascarenhas para a criação da Embrapa Instrumentação, em 1984, que hoje abriga o Laboratório de Nanotecnologia para o Agronegócio. Ele contribuiu com tecnologias de instrumentação agropecuária desenvolvidas, que estiveram na origem da criação dessa unidade da Embrapa. Muitas dessas inovações já foram transferidas à iniciativa privada e aplicadas por agrônomos, tais como o uso de tomografia computadorizada no exame de propriedades do solo, incluindo sua condição hídrica.

Radiações

Sua contribuição tecnológica na área de dosimetria de radiações aplicada ao monitoramento individual de profissionais ocupacionalmente expostos se traduz, hoje, no sucesso comercial da empresa Sapra Landauer, que foi criada a partir dos conhecimentos acumulados a partir das pesquisas de Mascarenhas nessa área e atualmente tem seus serviços utilizados por mais de 110 mil usuários em mais de 6 mil instituições.

Reitor

Quando o médico, industrial e político Ernesto Pereira Lopes quis criar uma universidade federal em São Carlos, reunindo várias escolas já existentes, recebeu de Mascarenhas uma ideia diferente: a de fazer uma universidade a partir do zero, abrindo as portas para áreas de conhecimento pouco exploradas pela ciência do Brasil até então – como a física do estado sólido. Ernesto não só concordou como o chamou para ser reitor dessa universidade, a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 1968. Em 1972, Mascarenhas criou a primeira Engenharia de Materiais da América Latina, na UFSCar.

brain4care

Outras vezes, o senso de oportunidade do professor Mascarenhas se manifestou de modo empresarial, como na fundação da brain4care: “Em 2005, ele foi diagnosticado com a doença de hidrocefalia de pressão normal (HPN). Indignado com os métodos invasivos da medicina para o tratamento – o crânio do paciente deveria ser perfurado para medir a pressão intracraniana – decidiu pesquisar novas formas de fazer esta medição, o que resultou em um novo método não invasivo. Esse projeto que revolucionou o tratamento de hidrocefalia, tumores cerebrais e traumatismo craniano foi desenvolvido em conjunto com a Fapesp e a Organização Mundial de Saúde, na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto”.

Extremamente promissora e com imenso potencial de mercado, a brain4care já atraiu mais de US$ 5 milhões em investimentos e foi recentemente selecionada e premiada pela Singularity University, no Vale do Silício, entre 500 projetos concorrentes, tendo também atraído o interesse de especialistas dedicados ao combate à pandemia de Covid-19, da Nasa, e de lideranças médicas brasileiras.

Relevância e repercussão

Entre os critérios que levaram à premiação pela Singularity University está o fato de que a tecnologia da brain4care poderá impactar até 1 bilhão de pessoas (segundo estimativa da Singularity University) por meio de um modelo de baixo custo e alta disponibilidade. A empresa já obteve duas patentes e também as autorizações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil, e da Food and Drug Administration (FDA), nos Estados Unidos, para distribuir sua tecnologia para hospitais e clínicas em seus respectivos territórios. A empresa já dispõe de filial nos Estados Unidos, com previsão de lançamento comercial no mercado norte-americano em 2022.

O sistema não invasivo de monitoramento da pressão intracraniana já está em uso clínico em hospitais do país, incluindo Albert Einstein, Sírio-Libanês e Beneficência Portuguesa, em São Paulo, o complexo do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, e para fins de pesquisa em entidades de ponta no exterior, como Cleveland Clinic e o centro médico da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, numa lista que cresce a cada dia.

Sergio Mascarenhas morreu aos 93 anos, de parada cardiorrespiratória.